A ESCRITURA DO EVANGELHO
Quando Jesus recomendou a
pregação da Boa-Nova, em diversos rumos, reuniu-se o pequeno colégio
apostólico, em torno d’Ele, na humilde residência de Pedro, onde choveram as
perguntas no inquérito afetuoso.
– Mestre – disse Filipe,
ponderado –, se os maus nos impedirem os passos, que faremos? caber-nos-á
recurso à autoridade punitiva?
– Nossa missão – replicou Jesus,
pensativo – destina-me a converter maldade em bondade, sombra em luz. Ainda que
semelhante transformação nos custe sacrifício e tempo, o programa não pode ser
outro.
– Mas... – obtemperou Tomé –, e
se formos atacados por criminosos?
– Mesmo assim – confirmou o
Cristo –, nosso ministério é de redenção, perdoando e amando sempre.
Persistindo no bem, atingiremos a vitória final.
– Senhor – objetou Tiago, filho
de Alfeu –, se interpelados pelos fariseus, amantes da Lei, que diretrizes
tomaremos ? São eles depositários de sagrados textos, com que justificam habilmente
a orgulhosa conduta que adotam. São arguciosos e discutidores. Dizem-se herdeiros
dos Profetas. Como agir, se o Novo Reino determina a fraternidade, isenta da tirania?
- Ainda aí – explicou o Messias
Nazareno –, cabe-nos testemunhar as idéias novas. Consagraremos a Lei de Moisés
com o nosso respeito. Contudo, renovar-lhe-emos o sentido sublime, tal qual a
semente que se desdobra em frutos abençoados. A justiça constituirá a raiz de
nosso trabalho terrestre. Todavia, só o espírito de sacrifício garantir-nos- á
a colheita.
Verificando-se ligeira pausa,
Tadeu, que se impressionara vivamente com a resposta, acrescentou:
– E se os casuístas nos
confundirem?
– Rogaremos a inspiração divina
para a nossa expressão humana.
– Mas, que sucederá se o nosso
entendimento permanecer obscuro, a ponto de não conseguirmos registrar o
socorro do Alto? – insistiu o apóstolo.
Esclareceu Jesus, sorridente:
– Será, então necessário
purificar o vaso do coração, esperando a claridade de cima.
Nesse ponto, André interferiu,
perguntando:
– Mestre, em nossa pregação,
chamaremos indistintamente as criaturas?
– Ajudaremos a todos, sem
exigências – respondeu o Salvador, com significativa inflexão na voz.
– Senhor – interrogou Simão,
precavido –, temos boa vontade, mas somos também fracos pecadores. E se cairmos
na estrada? e se, muitas vezes, ouvirmos as sugestões do mal, despertando,
depois, nas teias do remorso?
– Pedro – retrucou o Divino Amigo
-, levantar e prosseguir e o remédio,
- No entanto – teimou o pescador
– e se a nossa queda for tão desastrosa que impossibilite o reerguimento
imediato?
– Rearticularemos os braços
desconjuntados, remendaremos o coração em frangalhos e louvaremos o Pai pelas
proveitosas lições que houvermos recolhido, seguindo adiante...
– E se os demônios nos atacarem?
– Interrogou João, de olhos límpidos.
– Atraí-los-emos à, gloria do
trabalho pacífico.
– Se nos odiarem e perseguirem? –
comentou Tiago, filho de Zebedeu.
– Serão amparados por nós, no
asilo da oração.
– E se esses inimigos poderosos e
inteligentes nos destruírem? – inquiriu o filho de Kerioth.
– O espírito é imortal – elucidou
Jesus, calmamente – e a justiça enraíza-se em toda parte.
Foi então que Levi, homem prático
e habituado à estatística, observou, prudente:
– Senhor, o fariseu lê a Tora,
baseando-se nas suas instruções; o saduceu possui rolos preciosos a que recorre
na propaganda dos princípios que abraça; o gentio, sustentando as suas escolas,
conta com milhares de pergaminhos, arquivando pensamentos e convicções dos
filósofos gregos e persas, egípcios e romanos... E nós? a que documentos
recorreremos? que material mobilizaremos para ensinar em nome do Pai Sábio e
Misericordioso?!...
O Mestre meditou longamente e
falou:
– Usaremos a palavra, quando for
necessário, sabendo porém que o verbo degradado estabelece o domínio das
perturbações e das trevas. Valer-nos-emos dos caracteres escritos na extensão
do Reino do Céu. No entanto, não ignoraremos que as praças do mundo exibem
numerosos escribas de túnicas compridas, cujo pensamento escuro fortalece o
império da incompreensão e da sombra. Utilizaremos, pois, todas os recursos humanos,
no apostolado, entendendo, contudo, que o material precioso de exposição da Boa-Nova
reside em nós mesmos. O próximo consultará a mensagem do Pai em nossa própria
vida, através de nossos atos e palavras, resoluções e atitudes...
Pousando a destra acentuou:
- A escritura divina do Evangelho
é o próprio coração do discípulo.
Os doze companheiros
entreolharam-se, admirados, e o silêncio caiu entre eles, enquanto as águas
cristalinas, não longe, refletiam o céu imensamente azul, cortado de brisas vespertinas
que anunciavam as primeiras visões da noite...
Fonte: Luz Acima (Irmão
X – psicografia de Francisco Candido Xavier)
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