aros amigos,
compartilhamos hoje esta matéria muito interessante que a
revista Reformador publicou em 1999.
Você conhece o Esperanto? Sabe quais objetivos que esta
língua internacional foi criada? Conhece sua origem?
Convidamos à todos a conhecer e estudar esta importante
contribuição de Zamenhof à humanidade que a Doutrina Espírita também valoriza e
divulga.
Vamos aos estudos?
CARTAS DE ZAMENHOF
AFFONSO SOARES
Dentre a copiosa produção de
Lázaro Luís Zamenhof, desde quando ofereceu o Esperanto ao mundo, um elemento,
embora mais modesto e despretencioso na forma, avulta e se ombreia com as
traduções, manuais, dicionários, discursos, poemas e teses, seja por se constituir
em fonte rica de subsídios para a história do movimento esperantista, seja por
retratar a personalidade inegavelmente superior do gênio de Bialistok.
Referimo-nos ao espistolário,
carinhosamente conservado por centenas de adeptos e hoje publicado em sua maior
parte.
Ali temos
Zamenhof por inteiro, evidenciando seu caráter superior impregnado das virtudes
da paciência, da tolerância, da indulgência, da fraternidade, da prudência, do
bom senso, tanto no trato de assuntos rotineiros e prosaicos, como na condução
de delicadas questões, de que um frisante exemplo foram as palavras e os
sentimentos com que reagiu a uma grave traição à sua confiança por parte de um
adepto infeliz e invigilante que, não obstante, recebeu de Zamenhof os mais
fraternos conselhos, o mais sincero perdão.
De tão
expressivo repositório escolhemos trechos de duas cartas com particular
significado para a história do Esperanto; a dirigida em 1895 ao pioneiro russo,
jornalista e professor, Nikolaj Afrikanovic Borovko (1863-1913), e a que
enviou, em 1905, ao advogado francês, igualmente pioneiro esperantista, Alfred
Michaux (1859-1937), organizador do 1º Congresso Universal de Esperanto naquele
mesmo ano.
Ambas nascem do interesse em
fixar, para a posteridade, sobre o depoimento do próprio criador do Esperanto,
fatos fundamentais ligados aos primórdios da causa. São documentos longos, mas
nos limitaremos aos trechos que atendam nosso objetivo de focalizar o interior
da invulgar figura de Zamenhof, os nobres impulsos que governaram sua
aspirações.
Eis alguns trechos da carta a N.
Borovko:
“(...) Você me pergunta como surgiu em mim a idéia da
criação de uma língua internacional. (...) a idéia, a cuja concretização
dediquei toda a minha vida, surgiu-me – é ridículo dizê-lo – na mais tenra
infância, e de la para cá nunca mais me abandonou; vivi com ela e não posso
imaginar-me sem ela.
(...) Nasci em Bialistok, província de Grodno. Essa
localidade, onde vim ao mundo e passei a infância, deu direção a todas as
minhas aspirações. Em Bialistok, a população é formada por quatro elementos:
russos, poloneses, alemães e judeus, os quais falam línguas diferentes e se
relacionam de maneira inamistosa. Nessa cidade, mais do que em qualquer outro
lugar, uma natureza impressionável sente a esmagadora desgraça da diversidade
lingüística, e a cada passo se convence de que nela está a única, senão a
principal causa da separação da família humana e de sua divisão em facções
inimigas. Educaram-me como um idealista; ensinaram-me que todos os homens são
irmãos, mas tanto na rua como nos pátios, a cada passo, tudo me fazia sentir
que não existiam seres humanos: só havia russos, poloneses, alemães, judeus,
etc. Isso era um enorme tormento para minha alma infantil, embora muitos venham
a rir desse “sofrimento pelo mundo” numa criança.
(...) No ano de 1878 a língua já estava mais ou menos
pronta, embora ainda houvesse grande diferença entre a “lingwe universala” de
então e atual Esperanto.
Comuniquei o fato a meus colegas (então eu cursava a 8ª
série do ginásio). A maioria, atraída pela idéia e impressionada pela invulgar
facilidade da língua, começou a estudá-la, e em 5 de dezembro de 1878
festejamos solenemente a sua consagração. Houve discursos no novo idioma e
cantamos com entusiasmo o hino, cujos
versos iniciais eram:
“Malamikete de las nacjes
Kadó, kadó, jam temp’ está!
La tot’ homoze infamilje
Konunigare so debá.” 1
(No atual Esperanto isso significa: “Inimizade entre as
nações, caia, caia, já é tempo! A Humanidade inteira deve unir-se em uma
família”) 2
(...) Havendo concluído a Universidade, comecei a prática
médica já pensando em sair a público com o meu trabalho. Preparei o manuscrito
de minha primeira brochura (“Dr. Esperanto. Língua Internacional. Prefácio e
manual completo”) e parti em procura de um editor. Foi a primeira vez em que me
deparei com o amargo lado prático da vida, a questão financeira, com a qual eu
posteriormente deveria, e ainda devo, sustentar renhida luta. Durante dois anos
procurei em vão um editor. Quando achei, ele levou metade de um ano preparando
a edição da brochura para, no fim, recusá-la. Afinal, depois de prolongados
esforços, consegui, eu mesmo, editá-la em julho de 1887. (...) Eu sabia da
sorte que aguardava um médico, dependente do público, se esse público
enxergasse nele um visionário, uma pessoa que se ocupa com “assuntos
marginais”, eu tinha o sentimento de que arriscava toda a minha tranqüilidade
futura, minha existência e a existência de minha família; mas já não podia
abandonar a idéia que havia penetrado meu corpo e meu sangue... e atravessei o
Rubicão”. 3
A carta a
Michaux só ficou conhecida do público em 1945. Grande é a sua importância para
que tenhamos a dimensão exata da grandeza de Zamenhof, um judeu dividido entre
dois ideais: o do patriota, em busca de um caminho para amenizar os terríveis
sofrimentos dos judeus no mundo, e o do homem universal que aspirava à união da
Humanidade por meio de um fundamento neutro, por sobre todas as fronteiras
materiais e espirituais, como uma grande família.
Venceu nele
o ideal universalista, e certamente por ele Zamenhof foi, tem sido e será
sempre mais útil à sua raça do que pelos ideais particularistas.
Eis alguns
trechos da carta a Michaux:
(...) Direi simplesmente que minha condição de judeu foi o
principal motivo pelo qual, desde a mais tenra infância, me dediquei
inteiramente a uma idéia principal, a um sonho: - unir a Humanidade.
(...) o Esperanto é apenas parte dessa idéia, e sobre o
conjunto não deixo de pensar e sonhar; mais cedo ou mais tarde (talvez muito
breve), quando o Esperanto não mais precisar de mim, sairei com um plano para o
qual me preparo há muito tempo e sobre o qual talvez lhe escreva mais tarde.
Esse plano (a que chamo “Hilelismo”) 4 consiste na criação de uma ponte moral
que permita a união fraternal de todos os povos e religiões, sem que se criem
novos dogmas e sem a necessidade de que os povos abandonem suas atuais
religiões.
(...) Quis apenas dizer-lhe que embora em mim, desde a mais
tenra infância, sempre prevalecesse o “homem”, entretanto, em virtude da
desgraçada situação de meu povo, despertava no íntimo o “patriota”, em terrível
batalha contra o “homem”. Nos últimos anos, o “homem” e o “patriota” pouco a pouco
se reconciliaram sob a forma do “Hilelismo”.
Finalizemos, refletindo na
amorosa e autorizada palavra do Espírito Emmanuel, um dos integrantes da legião
espiritual que serve ao Cristo de Deus na educação das sociedades terrenas para
a plena vivência da religião universal do Amor e da Fraternidade, cuja maior
expressão e exemplificação está na pura doutrina de Jesus de Nazaré:
“Jesus afirmava não ter vindo ao planeta para destruir a
Lei, como o Espiritismo, na sua feição de Consolador, não surgiu para eliminar
as religiões existentes. O Mestre vinha cumprir os princípios da Lei, como a
doutrina consoladora vem para a restauração da Verdade, reconduzindo a
esperança aos corações, nesta hora torva do mundo, em que todos os valores
morais do orbe periclitam nos seus fundamentos, assaltados pelas doutrinas da
violência que embriagam o cérebro da civilização atual, qual veneno amargo a
destruir as energias de um corpo envelhecido.
Também o ESPERANTO, amigos, não vem destruir as línguas
utilizadas no mundo para o intercâmbio dos pensamentos. A sua missão é
superior, é a da união e da fraternidade rumo à unidade universalista. Seus
princípios são os da concórdia e seus apóstolos são igualmente companheiros de
quantos se sacrificaram pelo ideal divino da solidariedade humana, nessas ou
naquelas circunstâncias."
Efetivamente, o Esperanto não é
apenas mais uma língua a competir com as demais na moderna Babel, cuja essência
ainda guarda os primitivos traços do símbolo bíblico, não obstante as
sofisticadas soluções do pragmatismo terreno, de que a expressão máxima é a
fascinante rede mundial de computadores. Também ela, apesar dos enfeites
tecnológicos, ainda conserva a primitiva carga de orgulho e ambição,
manifestada nos anseios de hegemonia de povos ou grupos de povos.
O Esperanto é mais do que isso,
não obstante também representar a solução única para as grandes dificuldades
materiais suscitadas pelo problema lingüístico. Ele traz em si valores
espirituais sobre os quais se erguem as grandes construções da paz, da
fraternidade, da justiça no âmbito internacional. Tais valores ele comunica a
seus sinceros adeptos, assim fecundando corações para o exercício da vida
universalista, em que as diferenças serão encaradas com amor e deixarão de ser
motivo para guerras, discriminações, perseguições, genocídios e toda a sinistra
coorte gerada pelo conúbio do orgulho e do egoísmo.
Não foi outro o motivo pelo qual
a Casa de Ismael, desde 1909, assumiu o compromisso de divulgar e utilizar o
Esperanto no desdobramento de seu programa.
________
1. Forma primitiva do Esperanto.
2. “Malamikeco de la nacioj. Falu, falu, jam tempo estas! La
tuta homaro em familion unuigi devas”.
3. Rubicão era o antigo nome do rio Fiumicino que corre no
norte da itália. Na época da República Romana, ele separava a Itália da Gália
Cisalpina. Embora fosse proibido atravessá-lo, Júlio César desobedeceu a lei
para marchar sobre Roma (49 ªC.), o que gerou uma guerra civil. Ao atravessar o
rio, César teria dito a célebre frase “alea jacta est” (a sorte está lançada).
A expressão atravessar o Rubicão serve para mostrar uma decisão audaciosa e
definitiva.
4. Hilel era um rabino (70 aC. – 10 d.C.) cujos comentários
da Bíblia tinham a mesma doçura e amplitude das doutrinas de Jesus. O hilelismo
ainda evidenciava um acentuado desejo de eliminar a discriminação contra os
judeus. Zamenhof, após a extraordinária experiência do 1º Congresso Universal
de Esperanto (Boulogne-sur-mer, 1905), estende-o, com algumas modificações, à
Humanidade inteira, dando-lhe o nome de Homaranismo (da palavra homarano que em
Esperanto significa membro da Humanidade).
Fonte: Revista Espírita REFORMADOR, feveriero de 1999
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