Fome
e sede de justiça
Bem
Aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos....
(Mateus, 5:6)
Contemplando
o panorama do mundo, onde os bens e os males se acham tão desigualmente repartido,
muitos há que não compreendem a razão de ser dessas anomalias e chegam a descrer
da Justiça de Deus.
Se
ele é soberanamente justo e bom, indagam, porque dá a uns uma vida repleta de
alegrias e satisfações, enquanto a outros reserva uma sucessão intérmina de agruras
e sofrimento? Por que uns dormem sob dourados tetos, enquanto outros jazem
sobre palhas, ou tiritam de frio, sem que tenham onde abrigar-se nem possuam
sequer alguns farrapos com que cobrir a nudez? Por que uns se banqueteiam
regaladam ente, todos os dias, enquanto outros necessitam estender a mão à
caridade pública para conseguir um pedaço de pão com que atendam às exigências
do estômago vazio? Por que algumas damas, ostentando luxuosíssimos vestidos,
adornadas de jóias de alto preço, levam vida despreocupada e risonha, entre
acordes de orquestras e espocar de champanhes, enquanto jovens pálidas e andrajosas
definham ao peso de trabalho rude e estafante? Por que se concedem, a uns, certos
privilégios, que se tornam odiosos ante ao abandono a que outros são relegados?
O
que se vê por toda parte não é a mais flagrante iniqüidade, tornando falaciosa
a promessa do Cristo de que os famintos e sedentos de justiça seriam fartos?
De
fato, se tivéssemos uma só existência, a doutrinação do Mestre seria um engodo.
À luz da reencarnação. Entretanto, as diferenças sociais, como de resto todas
as desigualdades que tanto ofendem as almas sensíveis e perquiridoras, não se
constituem expressões do arbítrio divino; são agentes de progresso e preenchem,
transitoriamente, uma necessidade na economia da evolução individual e
coletiva.
Claro
que tais diferenças haverão de desaparecer um dia, com o progresso moral da Humanidade,
mas, enquanto isso não venha, elas subsistirão, malgrado as revoluções, as leis
e os discursos que os homens façam com a finalidade de as abolir.
É
que a evolução da espécie humana não é unilateral: deve e tem de realizar-se
sob múltiplos aspectos – queiramos ou não –passando cada ser por uma infinidade
de provas e experimentações, cujo ensejo lhes é proporcionado pelas diversas
castas e classes em que se dividem as sociedades.
No
estado em que os terrícolas nos encontramos, aliás de grande atraso, sempre que
mudamos de posição, mudamos também de idéias e sentimentos, em conformidade com
os novos interesses e o novo alvo de nossos desejos. Isso prova bem quão
necessário é ainda que mudemos muitas vezes de posição, através de sucessivas
encarnações, para que, trabalhando, sofrendo estudando e adquirindo
experiência, pelo melhor conhecimento das coisas, desenvolva-se em nós os
espírito de equidade e de justiça, indispensável ao nosso progresso individual
e à boa orientação que devemos dar à marcha dos acontecimentos, em prol do bem
coletivo.
Disse
Kardec, alhures, que a Terra é um misto de escola, presídio e hospital, cuja
população se constitui, portanto, de homens incipientes, pouco evolvidos,
aspirantes ao aprendizado das leis naturais; ou inveterados no mal, banidos,
para esta colônia correcional, de outros 5 planetas, onde vigem condições
sociais mais elevadas; ou enfermos da alma, necessitados de expungirem suas mazelas
pelas provações mais ou menos dolorosas e aflitivas.
É
natural, pois, que, num meio assim tão heterogêneo, haja profundas
diferenciações na sorte das criaturas, capazes de provocar clamores e de
desnortear, pela sua complexidade, qualquer sociólogo menos conhecedor do plano
divino da evolução.
Assim,
aquelas palavras do mestre: “Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque eles serão saciados”(Mateus, 5. 6), não se referem, como poderia
parecer, aos que, inconformados com a sua condição, protestam, amaldiçoam ou
promovem agitações subversivas, mas sim aos que, qualquer que seja a classe
social em que se encontrem, procuram, de consciência tranqüila, seguir-lhe as
pegadas, alimentando a nobre aspiração de pautar seus próprios atos de
conformidade com os mais altos ideais de justiça e retidão, respeitando
escrupulosamente os direitos de seus semelhantes, procurando tirar de sua atuação
o maior resultado possível para a evolução própria e o bem alheio.
É
com discípulos desse feitio que o Cristo conta como cooperadores, para a
implantação na Terra de um estilo de vida mais consentâneo com o Direito e a
Moral.
Que
os verdadeiros cristãos, inspirados no exemplo do Mestre, que desceu dos cimos
da pureza e da perfeição e imergiu neste mundo corrompido e tenebroso a fim de
dar o de que a Humanidade necessitava para alcançar a redenção, saiam, pois, a
campo, empenhado-se de corpo e alma na construção da sociedade do porvir.
Há
oportunidade para isso em inúmeros setores. Enquanto outros derrubam e destroem
o que é arcaico e já não convém ao estágio evolutivo atual, chamem a si a
tarefa de desarmar os espíritos, preparando-os para uma vivência de paz e de concórdia;
lutem para que se reconheça no trabalho o fator supremo do bem-estar coletivo e
se assegure aos que o exercem retribuição justa, suficiente ao atendimento de
suas necessidades essenciais; esforcem-se por infiltrar as luzes do Evangelho
em todas as camadas sociais...
Quando
os homens estiverem suficientemente cristianizados e, submetendo-se espontaneamente
à lei do “amai-vos uns outros”, tenham aprendido a obrar sempre em harmonia com
esse preceito, nenhum conflito de interesse, nenhuma desavença os dividirá; tratar-se-ão
fraternalmente; haverá perfeito entendimento e concordância entre todos, resolvendo-se
todas as questões sem guerra, sem ditaduras e sem dissídios de espécie alguma.
Livro:
O Sermão da Montanha de Rodolfo
Calligares.
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